sexta-feira, 15 de julho de 2011

Tecnicismo impossível

Um primeiro texto que contempla em boa parte os pensamentos de nosso grupo. Tomei conhecimento do mesmo por meio do Emanuel Marra do XXI CSAP. Este ano ele irá concorrer ao Prêmio Lice no ENEAP em artigo escrito juntamente com o Bruno Magalhães também do XXI CSAP. O texto abaixo é do Blog do Alon. Um abraço e boa leitura a todos,

Leonardo Nunes

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Quem ajuda a sustentar governos na democracia ou na ditadura quer retribuição em nacos de poder. Para abrigar os amigos e alavancar os negócios dos amigos

A crise no Ministério dos Transportes e a remoção do ministro desencadearam nova rodada de debates a respeito do chamado fisiologismo. É mesmo inevitável a discussão. Há entre nós a ideia consolidada sobre a vantagem de governos ditos técnicos.

Vacinados contra a política.

Eles só existem na imaginação. Combater a corrupção é vital. Imaginar que o sucesso nessa empreitada passa pela recusa à política é devaneio.

Governos técnicos são impossíveis na democracia, mas toda crise provocada pela revelação de malfeitos, ou por simples acusações, acaba retornando ao tema. Uma ficção conveniente.

A única certeza sobre governos técnicos é serem formados por políticos suficientemente espertos para vender o peixe. Até que o primeiro grande escândalo desmonta o teatro.

Aliás, são impossíveis também nas ditaduras. Principalmente. Quem ajuda a sustentar governos na democracia ou na ditadura quer retribuição em nacos de poder. Para abrigar os amigos e alavancar os negócios dos amigos.

Até que um dia a sociedade se cansa do monopólio do mando pelo mesmo grupo e resolve dar um basta. Pode ser com eleição ou, na falta dela, com revolução.

É o que se passa no mundo árabe. Países com muitas riquezas em que panelinhas se aboletam no poder para fazer negócios embalados numa suposta missão histórico-ideológica.

Há muito tempo as formações evoluídas encontraram o mecanismo mais eficaz para combater a tendência de o poder escorregar rumo à ilegalidade sistemática e orgânica.

É a alternância. Revezar os grupos, as panelinhas. Não deixar a rapaziada na zona de conforto.

A melhor maneira de impedir que o Estado passe a ter donos é cultivar as condições para que alguém diferente mantenha a possibilidade real de chegar lá.

Há as ferramentas de controle e punição do próprio Estado. Que devem ser usadas. A polícia, os promotores e os juízes estão aí para isso.

Infelizmente, toda autonomia tem um limite. É inevitável que as partes do Estado se deixem influenciar pela política.

O sistema perfeito de freios e contrapesos não existe. É utopia.

De vez em quando alguém pomposamente recorre à expressão “políticas de Estado, instituições de Estado e não de governo”, mas o discurso costuma vir para dar legitimidade adicional aos intentos de um governo qualquer.

E a regra vale em todos os patamares. Um sistema político é tão mais saudável quanto menos penoso e arriscado é fazer oposição. Nacional, regional ou local.

Vai mal

Por esse ângulo, a coisa no Brasil merece cuidados. Nota-se nos vários níveis o quase desaparecimento da oposição. Não a formal, mas a real. A fórmula corriqueira no Brasil destes dias é o governo sem contraponto.

O fenômeno tem mais visibilidade na União e nos principais estados, mas espalha-se por todo o território nacional. Uma gentileza aqui, uma emenda ali, uma canetinha acolá. E a coisa está resolvida.

A tendência não discrimina partido ou viés político-ideológico.

É raríssimo encontrar quem esteja disposto a ficar fora do jogo para construir seu próprio caminho à margem do poder.

Para começar, o sujeito precisa de uma legenda. Como as atuais têm dono, precisa de uma só para ele. Fica um pouco mais fácil se o objetivo é aderir. Mas se é construir uma alternativa, o risco é chegar à situação atual de Marina Silva.

Tendo que começar do zero. Não é para qualquer um.

E só uma sigla não basta, pois o sistema bloqueia a possibilidade de outsiders adquirirem massa crítica. Um bloqueio eficaz são as regras para a propaganda no rádio e na televisão e para os debates. Outro é a fidelidade partidária.

Nem ouvir falar

A comissão da Câmara dos Deputados que analisa a reforma política tem esperança de que o assunto seja votado ainda este ano. Mas há preocupação com a descoordenação entre deputados e senadores.

Outra preocupação é com as eleições municipais. A comissão decidiu que não fará nenhuma proposta de mudança para as urnas do ano que vem. A pressão das bases municipais prevaleceu.

Prefeitos e vereadores não querem nem ouvir falar em reforma política já.

Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta sexta (08) no Correio Braziliense.

2 comentários:

  1. Interessante o texto, mas acho que padece de um certo simplismo na hora de analisar a situação política. É, vivemos em um sistema representativo denominado presidencialismo de coalizão, onde cargos e verba são instrumentos amplamente utilizados por quem está no poder para garantir a governabilidade, isto é, manter o apoio da base. Isso ocorre e é bom para mostrar-nos que a política não é feita só de ideias e ideais, senão que também comporta interesses particulares ou de grupos reduzidos, além de barganhas.

    Entretanto, há um outro ponto que não foi tocado e que me parece fundamental ao debate: a governança. Governança pode ser traduzida em capacidade do governo de traduzir as demandas da sociedade em ações. E o legal é que ela comporta também a famosa accountability, se essa for também uma demanda real. Para a governança, sem embargo, é fundamental a existências de canais representativos ou participativos que extrapolam à mera representação via congresso, já que ela padece de todos esses defeitos mostrados (mas ainda assim é importante).

    Cada vez mais se consolida no Brasil, independentemente da legenda política, instâncias de participação e de deliberação da sociedade civil. É mais um fator para ser levado em consideração na Ciência Política. Acreditar somente na alternância de poder é pouco. A hora é de buscar se inserir e participar, cada um da sua forma e na sua arena, pois as arenas existem!

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  2. Bruno,
    Gostei de seu comentário, mas vejo alguns pontos os quais gostaria de comentar.
    O primeiro ponto se refere à alternância de poder discutida no texto. O grande problema da alternância é que, independentemente da sigla que esteja no poder, alguns grupos sempre estarão frente a certas pastas, visando apenas o benefício próprio. Infelizmente. Mas como evitar isso? Isso é próprio do sistema de presidencialismo de coalizão? Da política? Isso é acomodar interesses?
    Bom, outro ponto diz respeito à governança. A governança, conceituada como você coloca, é um ideal incompatível com a "acomodação de interesses" dos grupos com interesses "fisiológicos". Esses grupos garantem a Governabilidade, garantindo maioria na Câmara dos Deputados, Senado, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores. Sem esses grupos não há mudanças.
    Quanto aos links de participação do Estado, você, como eu, os conhecemos e sabemos que a participação da população é bem tímida. Por que? Será que as arenas participativas não são feitas já para "limitar" a participação? Para colocar a culpa na população? Para "enfeitar"?
    Bruno, eu acredito que lutar apenas nas arenas participativas é pouco. Temos que participar dos conselhos, de outros links de participação, das audiências públicas, dos debates públicos, cobrar de nossos representantes, discutir pontos de vista com as pessoas que nos cercam e até mesmo atuar defendendo ideias como Governança e accountability para a sociedade como um todo! Tudo dentro das limitações de cada um, é claro.

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